As loucuras da paixão

Publicado 02/03/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Por Daniel Lucas

São Paulo é a “capital” do Brasil. Certo? Errado. Mas, assim que deveria ser. Quando o tema: Isso só acontece em São Paulo foi escolhido acredito que todos encontraram dificuldades para delimitar um assunto. Conversando com algumas pessoas estava disposto a aceitar sugestões, gostei de algumas e outras não.

A sugestão aceita foi a do meu grande amigo Edemilson: inteligente, exigente, alegre, companheiro. E, vale a pena ressaltar que, ele é grande no peso, ou seja, mais de 100 quilos, mas o tamanho e os quilinhos a mais são proporcionais para abrigar um coração tão generoso que Deus lhe concedeu.

A sugestão de meu amigo foi escrever em relação as quantidades de “filas” no dia-a-dia, mas pensando melhor decidi relatar as estórias contadas numa fila. Segundo o verbete do dicionário: fila é fileiras de pessoas que se colocam umas atrás das outras, pela ordem cronológica de chegada a um ponto de chegada em veículos urbanos, a guichês ou a quaisquer estabelecimento haja afluência de interessados.

Fila é uma palavra que todo paulistano detesta ouvir e, principalmente, participar. Nas filas existem algo interessante e muitas vezes bizarro, são as estórias contadas por alguns acidou integrantes delas.

Certo dia estava na espera da lotação, 3766, destino ao Conjunto José Bonifácio – Itaquera, um bairro de aproximadamente 25 KM do Centro de São Paulo, como era horário de pico a quantidade de pessoas na fila era imensa. Estava eu curtindo uma música maravilhosa de Paula Lima: Só tinha de ser com você, quando fui interrompido com uma risada inexplicável.

Quando olhei para trás, eu não sabia se dava risada da mulher que estava contando uma estória, ou do semblante daquela que escutava. Duas mulheres fantásticas que poderiam fazer sucesso em qualquer emissora de televisão, pela tamanha espontaneidade e pela criatividade ao relatar um acontecimento.

Umas delas contava a respeito de um casal, provavelmente, classe média alta chegando duma festa embriagado. E, mais que ouriçados para uma noite “caliente”, regado a desejos acelerados esqueceram que tinham empregada, assim se entregando “as loucuras da paixão”.

Realmente foi uma loucura, porque essa dupla perfeita, de “palavras e semblantes incoerente”, interrompeu a música e, ainda, fez eu seguir na viagem e descer três pontos após do que deveria.

Agora, vale a pena reclamar das filas em São Paulo? Acredito que não. O que vale é encontramos brechas para nos divertimos em qualquer situação.
Isso só acontece em São Paulo: O que? Pinga? Não. Pimba? Também não. “Vou te falar viu, só pensa naquilo? É claro que não. Estou pensando agora na “fila” que tenho que pegar amanhã.

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Putrefação Poética Paulistana

Publicado 26/02/08 por zunica
Categorias: Textos

Por Plínio Zúnica

O letreiro vermelho do motel da frente derrama sua luz sanguínea pelo apartamento, profana os lençóis, as paredes e o insone sobre eles.

Me levanto e caminho para a janela. Gosto de observar a cidade do alto do décimo terceiro andar. Me deixo absorver pelo fluxo luminoso da Nove de Julho, como uma artéria aberta.

São Paulo é um bordel decadente. A Praça da Sé, uma cafetina velha e amorosa, que perdeu o viço da juventude. Abraça caminhoneiros, bêbados, velhos doentes e crianças fedorentas não como clientes, mas como filhos cansados e queridos.

Passear a noite pelo Centro Velho é humanizar-se. Sentir o cheiro das sarjetas, esbarrar nos cachorros sarnentos, ouvir o silêncio das ruas. A fedentina da Sé não vêm do esgoto. O cheiro que escorre pelas narinas, pelas entranhas, pela consciência dos mais sensíveis, vêm das pessoas. Peles famintas, flácidas, jogadas sobre os ossos como mortalhas precoces. Respirar o ar podre do Centro te faz entender que as pessoas fedem mais que os cães e as sarjetas. O terror e o prazer da imersão é descobrir que VOCÊ é uma pessoa. E você fede.

Na paulicéia, Bukowski e Baudelaire se tornam unos no fundo de um copo. A Augusta festeja madrugada adentro. Mini-saias de Indies, góticas, universitárias, prostitutas e travestis se confundem em um mar de pernas cruzadas e abertas. Bacantes e Sátiros celebram sob luzes estroboscópicas. Um templo dionisíaco de ferro e neón, cachaça e gasolina.

São Paulo é uma galeria frankenstein. Violinistas de rua dividem platéia com repentistas nordestinos, grafiteiros sangram arte a céu aberto nas paredes dos museus fechados, crianças e limões trazem o circo para os faróis fechados. A arte da paulicéia faz sorrir pra não chorar.

Na cidade do concreto tudo é abstrato. O efêmero reina absoluto onde a aparência é moeda corrente. Poetas e mendigos convivem num mesmo corpo. Favelas e botiques respiram o mesmo ar. Cinemas glamurosos e puteiros são o mesmo esqueleto, e tudo morre e nasce diferente no intervalo de um pôr-do-Sol. São Paulo é um organismo em transformação. Uma alma em transição.

Ser paulistano é ser batizado na garoa ácida, no heavy metal dos pistões, no ar nicotinado. É olhar para o céu marrom e sem estrelas e extrair a Lua dos postes de luz amarela. Amar o belo e o disforme das ruas, dos rostos, dos restos.

Qualquer um pode nascer em São Paulo, mas só os poetas são verdadeiramente paulistanos.
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Só em São Paulo

Publicado 26/02/08 por a28z
Categorias: Textos

São Paulo me encanta. Na adolescência, eu ficava pensando que morar nessa cidade era como ter ganho na loteria. Meu bilhete premiado – a certidão de nascimento – está em frangalhos. Apesar do descuido com o documento, continuo muito orgulhoso de morar aqui. Sinto-me um privilegiado. Foi aqui que me tornei um cosmopolita sem precisar ir para Londres, Tóquio ou Nova Iorque. Foi fundamental me afirmar numa cidade cinza, caótica, enorme, multirracial e cheia de neons. Hoje não se vê tanto neon, mas eles ainda piscam sem ordem nas minhas memórias. Várias regiões do centro da cidade estão marcadas na minha lembrança.

Conheci o bairro da Liberdade tardiamente. Com 20 anos, aproximadamente, fazia um curso pré-vestibular na Rua Tamandaré e um dos amigos de sala morava lá. Nos levava para aquelas ruas movimentadas, coloridas e de postes vermelhos. Disse que num dos restaurantes japoneses havia uma garçonete que era a cara da Nastassja Kinski. À época, me saiu bem caro essa curiosidade. Mas nunca mais deixei de freqüentar o bairro, principalmente por lugares mais baratos, onde o garçom estava mais para Tião Macalé que para atrizes do cinema europeu.

E o bairro sempre tropeça nos meus dias. Ou porque a assembléia do sindicato é perto dali, ou porque estudo no mesmo bairro, ou porque alguns amigos moram na Rua Galvão Bueno. Num desses tropeços, conheci um boteco – ou restaurante, como queiram – chamado “Bentô House”.

Não consigo imaginar esse bar em outra cidade. Ele é o típico boteco brasileiro, mas enfiado no bairro japonês e que serve iguarias orientais. Os garçons são nordestinos ou descendentes, os proprietários orientais e a freguesia muito, mas muito diversa. Lá é fácil ver misturados moradores do bairro – portanto, de olhos puxados – com sindicalistas barbudos, japoneses com pinta de mafiosos, freqüentadores alcoólatras, mulheres chinesas comendo sozinhas, casais de namorados e vários mendigos pedindo dinheiro. Da última vez que estive lá, as mesas que ficam na rua tinham muitos negros. E todos de meia idade. Talvez alguma associação ou comunidade reunida. Uns dez cabeludos com camisetas de rock também faziam muito barulho nessa noite. As pessoas se cumprimentavam, indiferente da mesa de onde chegavam ou saíam. O bar pegava fogo.

Já estive lá na hora do almoço. É quente também, mas com menos álcool circulando e eles não estão para brincadeira. Logo que se entra, uma chamada avisa: “Servimos café, almoço e jantar, Happy Hour e petiscos”. Um sem fim de clientes e muito movimento por quase 20 horas por dia.

A parada durante a noite sempre foi estratégica para mim. Ele fica ao lado da Estação Liberdade do metrô. A intenção é aproveitar o papo até o último minuto antes do último trem, mas não lembro de ter conseguido chegar a tempo uma única vez. Sempre volto com algum ônibus noturno ou táxi. Ali é impossível um papo não ficar interessante e me fazer ir embora na hora certa, seja ele o lançamento de algum filme dos irmãos Cohen, seja como fazer para evitar uma ressaca ou fofocas de manicure e cabeleireiros. Tudo fica delicioso de conversar.

Não é possível cumprir horários com aquele garçom deixando rastros de odores. Guiozas, tempurás, shimejis e vinagretes de polvo e marisco não me deixam partir. E, assim, numa noite dessas, com o metrô fechado, nossa mesa era cerveja gelada e sushis. Minha amiga contava uma estória de manicure que não podia continuar sem comida e bebida. Aliás, um caso típico de um morador de São Paulo. A manicure estava preocupada com um casal gay. Ela era amiga de um deles e percebeu que tomava medicamento pesado. Transtorno afetivo bipolar, segundo ela. “E sabe por quê? Sabe? Porque ele também gosta de mulheres”. Os dois se amam, são casados, mas fazem pouco sexo. Quer dizer, um deles, pois o outro sai com muitas mulheres. “É um absurdo ele tomar remédio por causa disso”, dizia minha amiga imitando a manicure. E todos nós também achamos um absurdo naquela mesa, quase no balcão já. Por que alguém tomaria remédio para afirmar a sexualidade? Mas , enfim , o tribunal provisório do Bentô House, direto do balcão sujo , não aprova a decisão do psiquiatra e reprova a resolução dos problemas através de medicamentos.

O bar fecha lá pelas duas da manhã. Infelizmente. E a moça que cuida da limpeza final ainda leva umas cantadas de um japonês com o cabelo pintado de loiro. Joga muito charme pra cima dele e joga muita água nos nossos pés. Volto para casa com a canela molhada, com o coração cheio e terno. Só São Paulo me deixa assim a essa hora. Rendido e satisfeito.

Vinícius. Com “U”, por favor.

Publicado 25/02/08 por Vinícius
Categorias: Textos

A cada dia que passa, tenho mais certeza de que São Paulo não tem uma identidade própria. Veja bem, leitor: moro sozinho. Acordo cedo, me arrumo para o trabalho e saio. Cumpro serão o dia todo e depois vou à faculdade. Até aí, tudo normal. Normal para um jovem suburbano que luta diariamente para ganhar a vida.

Quando saio dessa rotina, observo muitas coisas diferentes. Dia desses precisei ir a um cartório resolver um problema. Peguei uma fila grande, como sempre. Afinal de contas, estamos em São Paulo, não é mesmo?

Ouvi muitas conversas. A gestão do governo Lula que está ruim, a falta de emprego, a filha da patroa que estava grávida e não sabia quem era o pai, a televisão que disse que ia chover no fim de semana.

Quando chegou minha vez, a moça do balcão me recebeu como só em São Paulo se recebem as pessoas. Não olhou na minha cara e perguntou meu nome.

– Vinícius.
– Venicio de quê? – Olhei o que ela anotou no papel. Ela escreveu assim mesmo: Venicio.
– Não. Vinícius, com “u”, por favor. E acento no “i”. Vinícius Peixoto.

Ela consertou o erro, me olhou com cara de poucos amigos e continuou com o atendimento.
Na verdade, vejo São Paulo como uma Torre de Babel pós-moderna. Um lugar onde todas as “línguas portuguesas” se encontram. É só observar os diálogos que acontecem nos transportes públicos. Os homens, nordestinos, conversam em ritmo de embolada. Usam um dialeto inteligível apenas para eles.

– Ei Zé, bora lá no CTN hoje?
– Posso não, Tonho. O fidumaégua do meu patrão qué que nós entre mais cedo amanhã.

São Paulo é uma cidade de muitos contrastes. Ela é cosmopolita. E ser cosmopolita, no caso de São Paulo, é um conceito implícito, presente dentro de cada um de seus cidadãos. Como dizer que o Zé do queijo, nascido no sertão do Piauí, não é paulistano? Ou o português da padaria? Ou o japonês que vende comida nas ruas da Liberdade?
Imagine você, leitor, que mesmo eu, criado nas entranhas da Avenida Paulista, nascido e crescido nessa gigantesca metrópole, sou filho de nordestino, neto de húngaro e bisneto de espanhol!
Com toda essa diversidade, muitas vezes temos que soletrar nosso nome, por mais simples que seja. E isso só acontece em São Paulo.
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Sem tentativa não há acerto

Publicado 06/02/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

10º Prêmio Literário CIEE/ABL
Destinado a todos os estudantes de nível superior, de todo o Brasil, regularmente matriculados, independente do ano e do curso.O tema desse ano será: Sem Ética pode Haver Progresso?As inscrições são gratuitas e se encerram dia 30 de abril de 2008.Regulamento e mais informações aqui.

A vida num instante

Publicado 30/01/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Por Marco Aurélio Gois dos Santos
Quando viu os faróis que se aproximavam, sua vida inteira lhe passou pela mente em um instante, como um filme. E ainda sobrou tempo para uns extras. Cenas deletadas, erros de gravação, comentários, essas coisas.“Que vida besta, meu Deus…”, ele pensou, enquanto o bendito caminhão punha fim a sua miséria.

A vida em um segundo

Publicado 24/01/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Por Plínio Zúnica
Estava, na terça feira à tarde, a dar os últimos toques num texto para um projeto da faculdade, algo na linha de “faça sua escolha”. Era sobre um advogado alcoólatra que brinca de roleta russa num cassino. Estava ruim de verdade, mas minha namorada tentou me convencer de que valia a pena publicar. Sendo assim, revia os últimos detalhes, quando recebi o recado.Estavam voltando das férias em Salvador. Imagino que deva ter sido um cachorro na estrada, ou um bêbado metido a Nelson Piquet que cruzou o caminho. O carro deveria estar bastante rápido, pra ter capotado desse jeito. O pai, a mãe e o irmão não tiveram maiores complicações. Ela estava mal. Quando a prima de Aline disse as três letrinhas, elas soaram em câmera lenta no meu cérebro, e ficaram coladas ao ouvido como uma coisa viscosa que escorre pela espinha e se instala naquele canto profundo da gente, aonde ficam as idéias fixas, os medos de infância e as obsessões maníacas. O meu coração, compassado, batia U.T.I – U.T.I – U.T.I …
Aline é uma ex-namorada, alguém que foi especial pra mim. Se tornou uma grande amiga, e uma das primeiras pessoas que eu quis que conhecesse a mulher que escolhi pra casar, num show absurdamente trash na USP. Enquanto ouvia a notícia no telefone, lembrava de como ela é viva, de como gosta de dançar, de como ri alto, muito alto. Toma cerveja como homem, escreve cartas bonitas e não liga pra o que os outros estão pensando. De repente, a visão dela numa cadeira de rodas me fez perder a firmeza nas pernas, como se fosse eu quem estivesse com um coágulo no cérebro, bacia quebrada, tornozelos quebrados e três lesões na coluna.Quando desliguei o telefone, tomei um copo de água, me amaldiçoei por ter parado de carregar o frasco metálico do santo whisky. Acendi um cigarro e liguei pra casa da minha namorada. A voz dela me confortou, mas o coração continuava a ressoar as três letras, como se fosse um tambor de guerra anunciando que eu deveria correr ou cair.Fui passar a noite com minha ruiva, mas no caminho saltei do ônibus e entrei numa lan house, dessas que têm umas cabines de telefone. Disquei primeiro para o serviço de informações. Depois, para o hospital. O atendente não tinha muitas informações, mas ela já não estava entubada e estava fora da linha de perigo de morte. O atendente foi um anjo com sotaque baiano, que baixou um pouco a voz do meu Carlos Gardel particular. Em seguida, liguei para mais alguns conhecidos. Alguns se preocuparam muito, outros já estavam muito distantes daquele distante tempo em que éramos unidos, uma patota, como dizia minha avó. Decidi que ficaria chateado com os dissidentes mais tarde, quando tudo se acalmasse.
No dia seguinte, mais calmo (lençol quente à noite, café quente de manhã), resolvi mostrar a minha namorada o curta-metragem que a professora de português havia me enviado, sobre um garoto que sofre um acidente e fica paralisado à espera do resgate ou do fim, e fiquei com aquilo na cabeça. Pensei em como a vida pode se perder ou se transformar em um segundo. Numa hora você é uma jovem bonita, estudante de história, que canta numa banda de Heavy Metal, voltando de férias com sua família feliz e, de repente, Bam! O comercial de Doriana vira um pesadelo, e você está presa naquele segundo, um segundo eterno sem se levantar. E, aos que estão do lado de fora do teu segundo, presos num sem-tempo de sofrimento entre a esperança e o pessimismo, só resta olhar para deus – aquele mesmo que, em melhores épocas, você costuma negar -, que leve em conta juventude e risos altos.Em um segundo você se dissolve numa eternidade solitária. Ao fundo, só mesmo o som sádico do marcador cardíaco.
Aos que lerem este texto, peço-lhes que dispensem um segundo de suas habituais tarefas. Só por um segundo, desliguem o telefone e esqueçam das janelas de MSN. Só por um segundo, larguem seus cigarros, esqueçam a reunião de amanhã e rezem. Não lhes peço um Ave-maria, que eu mesmo já não me lembro mais como era. Dediquem apenas um segundo, um pensamento bom qualquer serve, pra que ela possa se levantar dessa cama e caminhar.
Para que eu possa ter, pelo menos, um segundo de paz.

Ramerrão*

Publicado 22/01/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Por Fábia Zuanetti
Acordou.
Leu o jornal. Na verdade, folheou.
Foi para o trabalho. Em cima da hora.
Almoçou. Não se lembra o quê.
Foi além do expediente.
Chegou na faculdade. Atrasado.
Estudou. Pouco se lembra o quê.
Voltou para casa.
Assistiu ao reality show do momento.
Tomou banho.
Jantou uma sobra de ontem.
Dormiu. A luz ficou acesa.
E cada momento da vida vai passando como se tivesse somente um segundo.

***

A vida hoje e o sabor que ela tem

Publicado 22/01/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Por Fábio Pereira

Trabalhando em uma redação de TV, percebi e anunciei que o jornalismo criou um novo tipo de texto. Curiosos, alguns amigos de trabalho vieram me perguntar sobre esse tal novo gênero. Expliquei a eles que o noticiário televisivo super veloz de hoje em dia tinha dado origem ao que chamei de “texto miojo”. E, ante os olhares questionadores, fui argumentando que a pressa imposta a nós, profissionais de TV, nos fazia redigir cada vez de maneira pior. O resultado, quase sempre, é um texto nada saboroso, com um tempero sem graça e que mais parece um grude. Igualzinho a esse macarrão instantâneo que a gente compra quando a fome é maior que a vontade de cozinhar. A turma riu. Achou que era piada. Eu digo: o caso é sério e grave. Eu detesto meus textos terminados às pressas e gosmentos.A informação nunca foi tão veloz como atualmente. Em meio a essa impressionante sociedade informatizada, dinâmica por conta de seus e-mails, blogs, conversadores instantâneos e sítios virtuais de relacionamentos, nunca foi tão fácil divulgar conteúdo de qualquer espécie. Nunca foi tão simples trocar idéias. As pessoas hoje, com um clic e quase nada a mais, constroem e destroem relações pessoais. Na era do Orkut, uma mensagem desrespeitosa ou mal interpretada na página de internet pode afastar amigos de longa data. Já para os bisbilhoteiros da vida alheia, nada melhor que ler todos os recadinhos os quais julgam ser denunciantes.Cada momento da vida tem seu sabor e, por isso, é bom quem seja vivido com certa intensidade. A ligeireza do processo comunicativo, além dos importantes e notórios avanços, tem feito diminuir a preocupação com o bom conteúdo. Querem informar com rapidez a todo custo sem atentar para a qualidade da informação. Essa pressa faz com que fiquemos cada vez mais imediatistas, apressadinhos, totalmente impacientes e imprevidentes. Deixamos de sentir o sabor de bons textos e, principalmente, da vida. A tecnologia deveria ser usada com mais sabedoria.Dia desses, um texto meu publicado na internet recebeu comentário [também instantâneo] de um leitor. Segundo este, meu texto estava longo demais para os padrões da internet, que suplica por textos mais breves. Concordei. Meu texto, criminosamente, ultrapassava a marca de seis ou sete parágrafos. Além disso, no mesmo comentário, li uma observação fiel da realidade: segundo o leitor, o usuário de internet não pode se deparar com textos longos porque, geralmente, está, a um só tempo, lendo, ouvindo música, zapeando a TV e, claro, conversando com outros internautas e acessando seus e-mails. Concordei também, claro, mas não sem uma gotícula de tristeza. Essa gente está fazendo tanto e, ao mesmo tempo, nada de útil, já que corre o grande risco de produzir algo que seja insuficientemente bom. E, assim, com tanta velocidade, com tamanho ritmo alucinado, em um segundo a vida acaba. Que desgosto…

Livre arbítrio (Visita de domingo)

Publicado 22/01/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Por Marcelo Fabri

Prestes a tomar alguma decisão me lembro do clichê, muito utilizado por publicidade e desenhos animados, do anjo e do diabo pendurados nos ombros, num debate de quais escolhas são corretas. Além disso, me escondo em alguma parte da casa e começo a falar sozinho. Na verdade falo com as criaturinhas. No ombro esquerdo, o diabinho sugere as coisas subversivas e do prazer sem limites e o anjinho na direita, tudo aquilo que é sensato e de acordo com os bons costumes. Entro na banheira cheia e fico sentado com os ombros fora da água. Quando uma das criaturinhas se invoca e usa artifícios muito baixos na sua argumentação eu deito mais na banheira e afogo o lado que está me irritando.
Mas ali no banco, em frente ao gerente da minha conta, eu não tinha nenhum lugar para ficar sozinho e falar alto comigo mesmo. As criaturinhas ficariam envergonhadas de aparecer em um local público. Disse ao engravatado que pensaria e traria uma resposta. O seu olhar foi impiedoso, pior que o de uma mãe irritada, para soltar uma frase indigesta: “você foi demitido e cada dia que protela para investir seu dinheiro, ele vale menos”.
Assim como o personagem de Nicholas Cage, no filme “Despedida em Las Vegas”, resolve beber até morrer depois de ser demitido, eu decidi gastar toda a minha indenização e os meus direitos trabalhistas até minguá-los e não trabalhar. O ombro esquerdo levou a partida. O diabinho não usou um argumento tão sofisticado, mas me fez refletir que a criatividade é o que move minha profissão. Portanto, resolvi me entregar aos prazeres. Sentir o cheiro do bairro em horários desconhecidos até então, deixar a brisa da madrugada bater no meu rosto, ver os dias amanhecerem, chegar tarde nos bares, filosofar no meio do dia com algum amigo e não ter hora para me entorpecer. Afoguei o gerente de banco pelo ombro direito.
Dois meses como “bon vivant” e não tive nenhuma crise de consciência. Nem lembrei que pudesse ser uma escolha atrevida, egoísta e que pudesse ser recriminada. Mas quando vi Renatinho de longe, parado numa esquina perto de casa, o germe da dúvida colocou a cabeça para fora.
Ele era dono de um típico boteco do centro, na rua Nestor Pestana. Azulejos coloridos, balcão de fórmica, cheio de bebuns e prostitutas, freqüentado por atores, jornalistas, músicos, atrizes e alcoólatras de escritórios da redondeza. Minha cara. Depois que o pai morreu, o bar durou pouco na mão dele e do irmão. Não o vejo há dez anos, um pouco menos. Uma ex-namorada nos afastou. Tânia chegava mais cedo que eu no bar e ele aproveitava o meu atraso para ser simpático e gentil. Depois de um tempo, para ser abusado e lascivo o suficiente e levá-la ao fundo do bar. Sabe-se lá quanto tempo e quantas escapadas foram necessárias até decidirem ficar juntos.
Ali, parado na esquina, os seus amigos o chamavam de Renato, sem o diminutivo. Dez da manhã. Eu chapado e ele vestido para o futebol. Mas por que perto da minha casa? São Paulo é tão grande. O sol fazia cócegas no meu pensamento. Não conseguiria me controlar e ia rir sem parar quando estivesse na frente dele. Ia ser desastroso. Ainda escutava as músicas da festa que acabara de sair. Não queria um papo nostálgico para afastá-las, aliás, eu não estava em condições de conversar.
Tentando atravessar a rua, quase fui atropelado. O barulho da freada chamou atenção dele e de todos, naturalmente. Não me abati pelo ocorrido e, como previsto, comecei a rir enquanto ele falava alto um monte de coisa de quem mata as saudades. Eu não ouvi nada. Parecia que eu ainda estava na festa com a música alta e seus lábios se mexiam produzindo um som bem menor. Nem sei como cheguei em casa depois desse rápido encontro.
À noite, acordei com o seu telefonema. Reclamou bem humorado que eu ainda estava em casa. Eu havia combinado de passar na casa deles hoje mesmo. Sim, eles ainda formavam um casal. Segundo ele, prometi até levar um sorvete e só não decidi o sabor porque não parava de rir.
– Você vem ou não vem? – perguntou.
Por um instante achei que precisaria papear sozinho com meus ombros. A primeira centelha de insegurança desde o desprezo ao gerente de banco. Era natural esse sentimento. Eu encontraria Tânia que me trocou por alguém que sempre escolheu por trabalhar. O que eu diria a eles quando me perguntassem sobre trabalho? “Veja bem. Um diabinho me soprou na banheira, pelo ouvido esquerdo, que devo aproveitar o máximo que a vida e o dinheiro têm a oferecer”. Digo pelo menos quando pretendo voltar a trabalhar? Que piada! Que se danem. Engulam com ou sem água minha resposta.
– Em quarenta e cinco minutos chego à sua casa. – respondi com firmeza.
Olhando aquele casal com seus três filhos, fiquei orgulhoso das minhas decisões. Toda insegurança foi embora quando entrei naquela casa. Tânia desfigurada pelo matrimônio, nem trabalhava mais. Só cuidava da casa e dos filhos. Renatinho só fazia alguma caridade a ela quando resolvia cozinhar macarrão com molho de caixinha ou a levava em algum shopping suburbano. As crianças davam tanto trabalho, que quase não conseguíamos conversar. O que era bom, de certa forma. Não queria profundidade.
Eu tive a impressão que o passado ficou tão distante para eles que talvez tenham esquecido que era comigo que Tânia namorava. Mas ela não deve ter esquecido que sua escolha à época era casar e ter filhos. A escolha de Renatinho nunca me interessou. Com as crianças chorando me despedi aliviado. “Até à próxima!”, menti.
Um táxi me deixou na porta da próxima farra, na Praça Roosevelt, muito perto da Rua Nestor Pestana.

Um segundo

Publicado 22/01/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Por Vinicius Peixoto


Ana Clara tinha cinco anos. Precoce, conseguia ter uma compreensão incomum das coisas que aconteciam ao seu redor. Era linda e tinha cabelos cacheados, amarelos como o sol. Aprendeu a ler aos três anos. E aos três e meio conseguia ler um livro infantil sozinha antes de dormir. Sua história preferida era a da Chapeuzinho Vermelho. Seus olhos eram azuis, azuizinhos como uma piscina. Duas pedras de água marinha que cintilavam contra a luz. Sempre que lia alguma história, fazia, ali mesmo, na cama, uma análise crítica para a mãe. Assustava às vezes, principalmente quando levantava questões ligadas ao âmago do ser. Coisas que nem sua avó conseguia pensar. Tinha a pele alva e seu corpo esguio parecia que ia se quebrar a cada passo que dava. Gostava de roupas simples, de criança, e sua cor preferida era o vermelho.
Se quando morremos a vida inteira passa na nossa cabeça em um único instante, para Ana Clara esse tempo parecia eterno. Não poderia se arrepender das coisas ruins que fez. Afinal, era muito jovem para ter qualquer maldade no coração. Não poderia lamentar as oportunidades perdidas. Muito menos justificar seus erros.
De que uma menina de cinco anos de idade lembraria em seu último suspiro, então? A Barbie fada que ganhara na semana passada, talvez? Ou quando escreveu o próprio nome no papel pela primeira vez. E a visita ao zoológico? Aquele leão realmente dava a impressão de que a engoliria a cada bocejar!
Escolheu, em sua inocência, em sua ingenuidade sem igual, pensar na bailarina que rodopiava ao som do porta-jóias da mãe. Quando crescesse, queria ser bailarina. Estava decidida, e não pensava em ser outra coisa se não bailarina. Daquelas que rodopiam ao som de porta-jóias. O frio chegava e fazia tremer todos os ossinhos daquele corpo alvo e delicado. O som do porta-jóias titilava em sua mente. E a imagem da bailarina rodopiando graciosamente, como num plié eterno. E o frio, e a música, e os ossinhos, que poderiam se quebrar a cada passo. A boca do leão era tão grande que a engoliria inteira em uma só mordida. Mas e se o leão fosse também bailarino? E se também dançasse graciosamente, como uma bailarina que roda pliés eternos em um porta-jóias?
Entre tantos pliés de bailarinas e leões dançarinos de bocarras imensas, passou-se finalmente o último segundo. E como o som de qualquer porta-jóias não dura para sempre, a canção foi cessando, foi aumentando o frio que fazia tremer todos os ossinhos daquele corpo de porcelana que poderia quebrar a cada passo, foi embaçando a vista do poste de luz, e foram se misturando lágrimas e gotas da chuva fina que caía.
Ana Clara. Cinco anos de idade. Fatalmente precoce. Ingênua e inocente como jamais se vira. Questionava as complexidades do ser humano, mas, durante seus últimos momentos de vida, só conseguia pensar no som do porta-jóias, na bailarina de pliés eternos e no leão de bocarra imensa. A história que mais gostava era a da Chapeuzinho Vermelho. E era vermelha também sua cor predileta. Alva era sua pele, azuis seus olhos brilhantes, amarelo seu cabelo e negra a noite chuvosa em que tudo aconteceu.

A escolha do amor

Publicado 18/01/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Por Fernando Thadeu Fonseca dos Santos

Tudo na vida segue um caminho um tanto quanto incerto. Na medida da caminhada, deparamos com várias situações que nos obrigam a tomar decisões diferentes.Cada um tem sua forma de escolher o que mais lhe agrada, isso é muito pessoal. Mas a vida nos prega muitas peças. Nem sempre escolhemos as coisas certas, o que acaba nos colocando em ruas sem saída, onde o caminho de volta geralmente tende a ser penoso demais.Escolher a profissão para jovens que se vêem atolados em um número enorme de possíbilidades é sempre desgastante. Assim também é no amor, na escolha da pessoa com quem queremos ter uma vida a dois, nem sempre é como imaginamos. O que parece nem sempre é realmente. Ou tudo se transforma, ou somos enganados pela primeira impressão.Essa decisão, quando descoberta que errônea fora, começamos então o caminho de volta. Caminho este que não é necessariamente instantâneo, pois o sentimento de dor e decepção que nos abraça nesta descoberta, nos coloca em um poço de vazio e divisão das reais possibilidades que podemos alcançar.Nos damos tanto para conseguir tais desejos de sentimentos, deixamos de fazer e de ser, para chegar ao diamante maior fazendo a escolha certa, que nessa hora, deixamos de acreditar que tudo pode dar errado, sem se importar com o que podemos sofrer. Quem não tem essa entrega geralmente é quem pensa no posterior. Nas dores do momento final. Acabam pensando mais, para uma resolução correta a sua maneira. O medo de passar pela dor da decepção os aflige de tomar decisões erradas. Dessa forma, se entregam e amam menos. O amor é sinônimo de entrega. E sem amar não fazemos a escolha certa.

Segundo tema (Ainda uma experiência…)

Publicado 15/01/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Para o segundo tema, pensei muitos assuntos, mas preferi deixá-los mais livres para definir o que fazer. Pensei em algo como ” A vida em um segundo” e “A vida é feita de escolhas”. Por que isso ? Pelos dois curtas que indico para vocês:

– o primeiro tem como título Faça sua escolha, narração de Pereio e texto de Fernando Bonassi. Aparentemente, pode parecer apenas tiração de sarro, mas prestem atenção no início, principalmente.Veja o curta;
– o segundo, O lobinho não mente, é do ano passado e tem um ar tragicômico.Veja o curta.

Os temas ainda permitem a diversidade de gêneros, seria interessante ( é só uma dica) se optassem por um gênero diferente do primeiro. Espero que gostem !

Em tempo, a partir de agora, nosso colega Plínio Zúnica, do blog Crimidéia, passa a integrar o grupo

Freegans

Publicado 14/01/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Por Fábio Silva
Há alguns anos, num momento oportuno, em que eu cultivava barba e “idéias revolucionárias”, conheci os vegans, esses que, além de não consumirem nenhum produto de origem animal, desprezam tudo o que seja testado nos bichos. Os vegans, que, embora, o nome se pareça com aqueles dados a criaturas más dos jogos de RPG, pregavam uma ideologia regada de paz, amor e muita alface.
Sempre apoiados em histórias com animais no papel principal, um deles me contou a de um cavalo, um andaluz, que chorou ao ouvir seu vizinho de baia fazer sons estranhos enquanto virava bife. Depois de ouvir a essa comovente história, decidi que a partir de então não comeria nem carne de pangaré, entendi que eu seria um vegan (ou um “natureba”, como seria chamado por aí)… até chegar o dia do churrasco na casa da minha tia.
Após anos de muito cupim, coxa, fraldinha, picanha, costela…, soube por uns e outros que aqueles vegans tinham ganhado novo nome: freegans, e que, agora, além da ideologia, procuravam por meios alternativos de sobrevivência, na tentativa de burlar o sistema capitalista, até que se vissem livres dele. Frees, entendeu?
Quando a fome apertava, eles surgiam nos finais das feiras de rua atrás de tomates (pouco amassados), bananas fora do cacho…; nos lixos, reviravam aqui e ali, e lá estava uma peça de roupa ou algum utensílio doméstico. Dizem que uma deles até moto chegou a trocar pelo ecológico skate; já um outro, desfez o nó na gravata italiana e foi vender livros e camisetas na Alameda das Flores, em São Paulo. Sim, os freegans, (embora irritados com este rótulo que deram a eles) iam muito bem, estavam felizes e de consciência limpa, virando-se como podiam, à margem da economia.
Em toda comunidade, por mais libertária que seja, figuram os fanáticos. Esses coitados, que de tanto se apegarem a discursos subjetivos, acabam por se “enforcar na mesma corda da liberdade” que pregam. Acontece que, lá pelas bandas do ABC, onde alguns freegans dividem um imóvel desabitado, soube que chegou um rapaz novo para ajudar com a feira. Aproveitando-se das linhas tortas da cartilha freegan, o esperto rapaz burlou este “sistema” para fugir da responsabilidade. Disse que abandonou a namorada (ainda de barriga) depois de saber que na carne dela havia produto industrializado. “Silicone, vê se pode!”

Promessa de Ano Novo

Publicado 14/01/08 por Marco Aurélio Gois dos Santos
Categorias: Textos

Por Fábia Zuanetti

Ela estava em seu quarto, sentada na beira da cama, olhando pela janela. Lembrava das comemorações de final de ano. Ceia de Natal em casa, almoço na casa dos avós, muitas risadas durante o réveillon… Listava também, em sua mente, metas para 2008. Em outro momento, passaria tudo para o papel, juntamente com o planejamento, o step by step para realizar cada objetivo. “A vida passa muito rápido”, pensou, “está mais do que na hora de cumprir minhas promessas e realizar os meus desejos”

Sorriu, satisfeita, como se possuísse poderes imensuráveis para realizar todo o “impossível”. Imaginou-se então, naquele mesmo local, apreciando o formato das mesmas nuvens, no início de 2009. “Estarei eu elaborando uma nova lista? Muito provável que sim…”
Começou a analisar, então, o dia-a-dia das pessoas. Notou que não só nas passagens de anos se fazem promessas e listas e mais listas… mas também todos os dias. “E quando eu realizar tudo o que está em minha lista, qual será o passo seguinte? Elaborar uma nova lista…”. Respondeu a si mesma.
Neste momento, ouviu cantos de passarinhos e começou a imaginar como seria a vida dessas pequenas criaturas. Sempre alegres e talentosas, cantam todos os dias, a qualquer horário. Felizes, não porque realizam, conquistam… mas simplesmente porque vivem.
Ficou imaginando, então, quanto tempo de sua vida concentrou suas energias apenas em metas, objetivos. O seu conceito de felicidade estava sempre no futuro, sempre na maçã no alto da árvore que desejava tanto alcançar. Imaginava que só estaria feliz quando estivesse com essa maçã nas mãos. Porém, o ano novo transformara algo dentro dela. Notou como sentiu-se plena ao estar na companhia de seus familiares, ao ler seu livro preferido… Não se sentia satisfeita apenas ao terminar a leitura. Sentia-se bem durante todo o processo de leitura do livro.
“Talvez o ser humano foque no item errado”, pensou consigo mesma. Chegara à conclusão que, melhor que usufruir de tudo aquilo que se conquistou, era o processo de conquista. O ato de expandir os horizontes, dar passos mais largos, voar mais alto, sentir que se está ficando mais forte… “Afinal, não é isso que o ser humano leva para outras vidas?”, pensou, “A experiência, o aprendizado, a maturidade…” Decidiu, então, que a maior e mais importante das suas promessas seria a de estar atenta a cada milésimo de segundo de sua vida, na confiança de que tudo daria certo, sem deixar de sentir a alegria de cada momento.